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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Na casa de meu pai

Pelas mãos do médium Carlos A. Baccelli e do espírito Dr. Inácio Ferreira, temos este Na Casa de Meu Pai, livro de 298 páginas, editado pela LEEPP, praticamente recém-lançado (data de abril de 2013). O estilo é descontraído, às vezes muito brincalhão, característica marcante nas comunicações desse autor espiritual. Sem dúvida, motivo também de muitas recriminações de confrades espíritas, alegando a falta de um tom sério para abordar estudos sérios.

Polêmicas à parte, esse é um texto que se orienta pelo sistema de perguntas feitas pelo Baccelli e respostas dadas pelo Dr. Inácio. Os conjuntos de indagações são organizadas em capítulos temáticos.

A dupla nos traz revelações que podem incomodar (como sempre) alguns; o plano espiritual imediatamente superior ao físico, em que estamos, é visto como um contínuo desse. Assim, não há significativas diferenças entre um estágio e outro, ambos sendo tratados como realizações ligeiramente diferentes da matéria. Insiste o Dr. Inácio na informação, já tratada mais pormenorizadamente no seu livro Reencarnação no mundo espiritual, de que, precisamente, a reencarnação é uma Lei Universal, manifesta enquanto o espírito revestir-se de um perispírito, por mais sutil ele seja.

Por meus estudos, concordo com a afirmação do Dr. Ferreira, pelo menos quanto ao perispírito constituir-se de matéria, ainda que cada vez mais sutil, à medida que o espírito evolua. Daí à conclusão de que a reencarnação (termo mal aplicado, reconheço, mas não há outro na nossa parca linguagem para conceiturar o evento) aconteça enquanto houver perispírito é apenas uma questão de lógica. Os corpos são gerados por corpos, na sucessão de descendentes; apenas o Espírito não pode ser criado por esse processo, por ser de natureza diferente da matéria. Entretanto, esse é um íten altamente complexo: merece, por si só, um estudo à parte.

O bom doutor informa-nos que o perispírito, pelo menos quando mais próximo de nós, possui órgãos como os nossos. À medida, porém, que vão se acostumando à sua nova condição de desencarnados, a configuração deles se altera. E como exemplo, cita a alimentação mais etérea, que lhes reduz o intestino e elimina um rim.

Na Casa de Meu Pai é um livro de estudo, para aqueles que têm um costume mais investigativo e mente aberta às novas informações. Uma das coisas que caracterizam o Espiritismo, em confronto com outras religiões/formas de conhecimento religioso é que ele é evolucionista. Equivale dizer que, não só os temas de que trata se modificam, como ele mesmo – o Espiritismo não é um corpo teórico definitivo – o que, aliás, foi defendido por Allan Kardec.

André Luís, pela mediunidade maravilhosa de Chico Xavier aprofundou nossos conhecimentos, o próprio Emmanuel, por intermédio do médium mineiro, tem uma série de livros nos quais comenta os livros da codificação e dá mais alguns passos a respeito do que lá é tratado . No mais, é termos calma e método para submetermos novos conceitos ao princípio da universalidade e à racionalidade desapaixonada. Afinal, o Espiritismo é fé raciocinada…

Carlos A. Baccelli. Espírito Inácio Ferreira. Na Casa de Meu Pai. 1ª edição. Uberaba, MG: editora LEEPP, 2013.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Transição Em Curso

por Cleuber Marques da Silva

É muito difícil falar-se sobre o tema espírita “Transição no planeta Terra” sem se parecer catastrófico, dadas as modificações pelas quais o mundo está passando ou “cor-de-rosa” demais, numa abordagem muito superficial. Tentaremos, desta forma, nem caminhar para o precipício, nem manter-nos na superfície acomodadora. Propomos, neste pequeno texto, falar sobre alguns pontos: uma breve introdução histórico-espírita, a classificação dos estágios evolutivos dos mundos, feita por Allan Kardec e, por fim, fazer algumas reflexões sobre a atual transição. Uma bibliografia, necessariamente incompleta, encontra-se no final, para quem desejar realizar seus próprios estudos. Não é uma tarefa das mais simples, como se vê.

  • contextualização histórico-espírita

A Terra já passou por grandes transformações desde a sua criação, há 4,6 bilhões de anos. No início, diz-nos a ciência, as condições climáticas não permitiam o aparecimento da vida; temperaturas extremas, tanto pela incidência direta do sol como pela atividade intensa dos vulcões. Ao correr do tempo, porém, essas mesmas condições vão melhorando, a temperatura já permite o surgimento da vida, ainda que de seres simples. Inicialmente, seres monocelulares, ainda sem a membrana nuclear definida (seres procariontes); muito tempo depois, aparecem elementos com um núcleo celular bem definido (seres eucariontes). O próximo passo aponta para os organismos multicelulares.

Assim, lentamente evolui a vida, do mais simples ao mais complexo, ganhando biodiversidade. Mudam também as condições geológicas do planeta: movimentam-se as placas tectônicas sobre as quais estão os continentes, fracionando o suposto supercontinente primitivo (teoria da pangeia) em diversos continentes menores. Os continentes continuam à deriva, produzindo alterações sísmicas nas áreas de atrito entre as placas. Do ponto de vista da temperatura, altera-se também o clima, com a Terra ora vivendo períodos de aquecimento global, ora de esfriamento (Eras Glaciais). Informa-nos a ciência que houve pelo menos umas 6 Eras Glaciais.

Considerando o ponto de vista espírita, várias transformações também ocorrem. Obedecendo leis regedoras do Universo, exilados de outros mundos aportam à Terra. A tradição espiritista nos revela serem espíritos emigrantes de Capela, um dos mundos que compõem a Constelação do Cocheiro, a 45 mil anos-luz distante de nós.

Capela vivia seu momento de transição entre mundo de provas e expiações e mundo regenerador; aquela parcela da humanidade capelina que não se afinava com os novos parâmetros programados para a sociedade ali encarnada foi transferida para Terra, onde as condições duríssimas de vida aproveitariam a maior evolução intelectual e tecnológica dos recém-chegados em prol da evolução terrena. De acordo com dados de Emmanuel, em “A Caminho da Luz”, tais degredados são a base da civilização sumeriana, egípcia, grega e, muito provavelmente, das civilizações pré-colombianas.

Hoje, sabemos que não foram somente espíritos oriundos de Capela a se somarem à civilização do nosso planeta. Chegaram-nos entidades provindas de Sírius, das Plêiades e de Órion, pelo menos. É extremamente interessante lermos os depoimentos do cientista Robert Temple no livro “O Mistério de Sírius – Novas Evidências Científicas de Contato com Alienígenas Há 5 Mil Anos”, em que constata o inexplicavel conhecimento astronômico de um povo primitivo a respeito do sistema trinário de Sírius. Ressalve-se que Temple vincula-se à tese do conhecimento transferido à tribo dos Dogons por contato extraterrestre, ideia que, diga-se de passagem, tem convencido muitos estudiosos desde “Eram Os Deuses Astronautas”, do escritor suíço Erich Von Däniken

  • classificação kardequiana das etapas evolutivas dos mundos

1) Mundos Primitivos

Os mundos, no início, não abrigam as condições de vida. Temperaturas altíssimas, instabilidade dos materiais que os formam, enorme quantidade de vulcões em frequentes erupções. Pouco a pouco, entretanto, aquelas condições se amenizam e o surgimento da vida, ainda que no domínio do microscópico, se manifesta. Na Terra, gigantescos répteis dominam a cena, com os dinossauros, os tiranossauros, os tricerátops, etc. São animais de sangue frio, adaptados para viver sob um sol abrasador. Chega a época, entretanto, do domínio dos animais de sangue quente, os mamíferos vão se espalhando pelas terras. A vida já é abundante e variada; os oceanos estão cheios de peixes, bizarros seres cruzam o espaço, em enorme envergadura. Suas asas são cobertas de pelo, anunciando as aves futuras. E eis que aparece o Homem, ainda em corpo rude para ser capaz de enfrentar as forças hostis da natureza. Mas, aos poucos, vai se aprumando sobre dois pés; passa por adaptações: sua caixa craniana torna-se maior, apresenta uma incipiente inteligência e logo domina o fogo. É governado quase que exclusivamente pelos seus instintos: sobrevivência, perpetuação da espécie.

2) Mundos de Expiação e Provas

Aqui vive o Homem bastante melhorado, organizado em sociedades. Ganha o relativo livre-arbítrio, que se alarga quanto mais cresce sua percepção do mundo e dos seres que o cercam. Nesses mundos, entretanto, o mal ainda predomina sobre o bem; as reencarnações são de provas por que todos os humanos têm de passar, acrescidas das expiações de faltas pregressas. É a realidade da Terra hoje. Não obstante, caminhamos para a aquisição de bens maiores, tanto material quanto espiritualmente.

3) Mundos de Regeneração

Nessa etapa, os espíritos encarnados não têm mais a expiação de faltas passadas, conquanto ainda estejam submetidos às provas. A alma encontra nesses orbes a paz, a calma, o repouso e acaba por depurar-se. Não existem as nossas paixões desordenadas; todavia, ainda não é a perfeição. Continuamos submetidos a um corpo de carne e sujeitos às imposições desta condição.

4) Mundos Ditosos ou Felizes

As condições material e moral são muito diversas. Os corpos nada têm da materialidade terrestre e as doenças estão completamente superadas. A forma é sempre a humana, mas aperfeiçoada, embelezada. Vive-se, a partir de agora, a realidade do “amor ao próximo como a si mesmo”. Nada perturba a tranquilidade social; as expressões artísticas tentam traduzir a Beleza. As autoridades são reconhecidas por todos pelo seu denodo em fazer o que for melhor para todos.

5) Mundos Celestes ou Divinos

São habitados pelos espíritos puros, aqueles que atingiram a perfeição. Estão logicamente livres das peias das encarnações. Gozam de muita liberdade e podem ir aonde forem mais necessários, sendo executores da vontade divina.

É forçoso dizer que a divisão de Kardec é apenas didática; na verdade, não há limites tão precisos na senda evolutiva. A ascenção do espírito, o retorno à casa do pai é feita num contínuo e as classificações acima são como pontos mais evidentes.

  • planeta em transição

Vimos, em nosso pequeno estudo, que as transformações geológicas, biológicas, sociais, morais, espirituais são uma constante. Nem podia ser diferente, pois tudo evolui, de acordo com a Lei Divina. Numa série de ações e reações, evoluciona o Homem – quer dizer, o espírito encarnado – hão de evoluir as condições que lhe dão sustentação à Vida. Apura-se a sociedade porque seu elemento fundamental igualmente se apura; os costumes modificam-se; sua cultura lhe é espelho. Nossos corpos acompanham a movimentação evolutiva do espírito, embora nosso curto tempo de vida não nos deixe percebê-lo.

O planeta Terra vive seu período de transição e isto é marcado de várias maneiras. Cientistas constatam que os terremotos, nos últimos dez anos, têm sido muito mais intensos. Eventos de efeito globalizado vêm sendo notícia nos meios de comunicação; tsunamis, vulcões despertados, tempestades ocasionadoras de enchentes, furacões destruidores de tudo em sua passagem. A violência cresce no seio da sociedade, deixando em todos a sensação de insegurança e medo. Drogas viciam pessoas de qualquer classe social e o ser humano, realmente, parece a besta apocalíptica, comentendo assassínios, desvairios estarrecedores. O mal nunca esteve tão aparente.

De autores espíritas de larga autoridade vêm-nos avisos de que o umbral está vazio. A justiça divina concede sempre uma chance àqueles espíritos recalcitrantes; mal aproveitadas as oportunidades, restam a estes se verem conduzidos a mundos menos evoluídos, para que lá, ainda assim possam evoluir, levando suas conquistas pessoais a uma sociedade mais rude, que tem a aprender com eles.

O futuro não está pronto. Ele será uma consequência do presente. Nossas ações de hoje terão a reação consequente no porvir, assim como muito do que vivemos hoje é resposta aos atos do passado. Claro está, existem diretrizes divinas, destinadas a nos conduzir de volta à casa paterna, mas tais diretrizes primam pela justeza. Ademais, a ideia de um Deus punitivo não cabe dentro da inteligência do homem de agora. As ações divinas são pedagógicas, buscam  colocar no carreiro a ovelha desgarrada, para usar a linguagem agropecuária da Bíblia.

Muito embora não seja uma unanimidade entre os espíritas, havendo mesmo quem o combata como “espírito pseudo-sábio”, o autor espiritual Ramatís é quem nos deu a conhecer, há muito tempo, pormenorizadas informações sobre esse período de transição da terra, pela psicografia do médium Hercílio Maes, em seu “Mensagens do Astral”, publicado em 1956. Fica a polêmica, pois esta obra foi apreciada por ninguém menos que o espírito Emmanuel, pela mediunidade de Chico Xavier, apesar de não ser objetivo desse estudo polemizar tal questão.

Obras cada vez mais presentes nos infundem a confiança de que não estamos sozinhos (na máxima ocultista, “o universo inteiro conspira a nosso favor”). Espíritos evoluídos têm encarnado entre nós, para ajudarem da melhor forma possível na condução do processo de transição. É hora, portanto, de exercermos nossa vontade de mudança, dando prioridade ao Homem Novo já anunciado dentro de nós. Afinal, tão importante quanto aquele que deseja ajudar é a aceitação daquele que deve ser ajudado.

Não caiamos na armadilha argumentativa de “se o outro é desonesto, não tem importância eu também ser”. Nossa prestação de contas final é com o Pai, nossa harmonização é com as leis emanadas de Deus; devemos respeito ao próximo, é verdade, mas devemos respeitar nossa própria consciência.

  • Bibliografia

ROCHA, Cecília (org.). Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, vol.I. 2ª edição. Brasília, DF: FEB, 2008.

BACCELLI, Carlos A. Espírito Inácio Ferreira. Trabalhadores da Última Hora. 1ª edição. Guarulhos, SP: DIDIER, 2011.

RUIZ, André Luiz. Espírito Lúcius. No Final da Última Hora. 1ª edição. Campinas, SP: Espírito da Letra, 2011.

__________________________. Esculpindo o Próprio Destino. 1ª edição. Araras, SP: IDE, 2008.

__________________________. Despedindo-se da Terra. 5ª edição. Araras, SP: IDE, 2009.

__________________________. Herdeiros do Novo Mundo. 1ª edição. Araras, SP: 2009.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de J. Herculano Pires. 65ª edição. São Paulo, SP: LAKE,2006.

____________. Tradução Guillon Ribeiro. A Gênese. 1ª edição especial. Brasília, DF: FEB, 2005.

SCHUBERT, Suely Caldas. Nas Fronteiras da Nova Era. 1ª edição. Santo André, SP: EBM, 2013.

NOBRE, Marlene & NETO, Geraldo Lemos. Não Será em 2012 – Chico Xavier revela a data-limite do velho mundo. s/ed. São Paulo, SP: FE Editora, 2011.

FRANCO, Divaldo Pereira. Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Transição Planetária. 3ª edição. Salvador, BA: LEAL, 2011.

_____________________________________________________. Amanhecer de Uma Nova Era. 2ª edição. Salvador, BA: LEAL, 2012.

MOREIRA, Denis. A Grande Transição da Terra. 1ª edição. São Paulo, SP: Lúmen Editorial, 2012.

RESENDE, Isoldino. Espírito Ismael. Planeta Terra em Transição. 4ª edição. Belo Horizonte, MG: Chico Xavier Editora e Distribuidora, 2012.

_____________________________. Estrela de Luz. 5ª edição. Belo Horizonte, MG: Chico Xavier Editora e Distribuidora, 2012.

CAMPOS, Pedro de. Espírito Yehoshua Ben Nun. Colônia Capela, A Outra Face de Adão. 3ª edição. São Paulo, SP: Lúmen Editorial. 2002.

ARMOND, Edgar. Exilados de Capela.  edição. São Paulo, SP: Aliança.

XAVIER, Chico. Espírito Emmanuel. A Caminho da Luz. 37ª edição. Brasília, DF: FEB, 2008.

____________& VIEIRA, Waldo. Espírito André Luiz. Evolução Em Dois Mundos. 13ª edição. Brasília, DF: FEB, 1958.

TEMPLE, Robert K. G. O Mistério de Sírius – Novas Evidências Científicas de Contato com Alienígenas Há 5 Mil Anos. s/ed. São Paulo, SP: Madras, 2005.

MAES, Hercílio. Espírito Ramatís. Mensagens do Astral. 10ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Livraria Freitas Bastos, 1993.

BERBEL, João. Espíritos Galileu Galilei/Karran. O Sistema de Capela. s/ed. Franca, SP: 2008.

FONSECA, Mauro. O Último Êxodo. 4ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Societo Lorenz, 1996.

MARTHO, Gilberto Rodrigues & AMABIS, José Mariano. Fundamentos da Biologia Moderna. 4ª edição. São Paulo, SP: Editora Moderna, 2009.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O Violinista de Veneza

Romances espíritas não são, em sua maioria, obras pertencentes à categoria de Literatura strictu sensu. Por esta categoria, entende-se aquele texto cuja chamada função poética é fortemente trabalhada pelo autor, evidenciando-se sua intenção de construir frases bem arquitetadas, com uso de figuras de linguagem. São textos que nos impressionam exatamente pelo burilamento da frase, pela originalidade, pela expressividade.

Não poderia ser diferente: romances espíritas, em sua maioria, são obras psicografadas por espíritos que não foram escritores profissionais, captadas por médiuns que, igualmente, não são pessoas com formação literária, ou como se diz hoje, com formação em escrita criativa.

Via de regra, os espíritos que ditam suas obras o fazem como uma tarefa, tendo em vista ajudar na divulgação do espiritismo, ou mais precisamente, na divulgação da vida “do lado de lá”. Muitos deles resgatam suas memórias para os relatos pregressos servirem de incentivo à melhoria moral dos leitores, estudo de alguns aspectos das realidades do universo espiritual.

São obras extremamente válidas para o Espiritismo. Imagino a dificuldade em se conseguir a produção de tais trabalhos, uma vez que é imprescindível a sintonia psíquica entre médium e espírito comunicante. Como não se pode tirar alguma coisa do nada, é preciso que muitos conhecimentos sejam ativados do subconsciente do médium, para que a tarefa espiritual seja levada a contento. Por exemplo, um romance cuja ação se passe durante a Revolução Francesa só conseguirá ser produzido, pelo menos com um mínimo de qualidade e coerência textual, por um subconsciente em que estejam guardadas vivências deste período. Assim, o espírito comunicante utiliza-se deste material psíquico para compor sua comunicação escrita.

Preâmbulo feito, passemos ao romance.

O livro O Violinista de Veneza, de autoria de Roberto Cabral, é uma das exceções. Roberto é filho de pais espíritas, nascido em Governador Valadares, MG. Recebeu influências literárias de seu pai, o poeta pernambucano José cabral. Criança, escrevia livros de contos baseados no folclore brasileiro, os quais nunca chegou a publicar.

O Violinista de Veneza é uma obra espírita e literária. Texto fluente, gostoso de ler, fica muito clara a utlização da função poética da linguagem: suas frases são bem construídas, seu texto tem ritmo apropriado.

Esta obra da editora Intelítera, de 282 páginas, nos conta a história de amor entre o violinista Antonio Di Moretti e Anna, a quem ele dava aulas de música. Ela ainda não sabe que ele a ama em silêncio; não sabe nem mesmo que o ama também. A ação do livro se passa exatamente na cidade de Veneza, provavelmente no século XIX. Eis um trecho:

“… Além da influência de meu pai, minha descendência contava com uma inumerável fila de músicos, uns excelentes, outros medíocres; outros que, apesar do virtuosismo, perderam-se na glória e na admiração de si mesmos, descambando para uma vida de desregramentos e indisciplinas.

Foi meu pai que me ensinou a amar Antonio Vivaldi, um dos maiores gênios do violino. E preciso dizer que por causa disso eu me chamava Antonio. Um nome italiano como tantos outros, mas que eu carregava com orgulho, por saber do meu homônimo. Fisicamente em nada parecíamos. Vivaldi tinha sobrancelhas finas e nariz afilado e longo. Era conhecido como il Prete Rosso (o Padre Russo), por causa de seus cabelos vermelhos. Eu tinha o cabelo negro e curto, com uma franja a cobrir-me a testa, bem ao estilo italiano.”

(página 17)

O escritor instaura o próprio Antonio Di Moretti como um narrador-personagem, narrando em tempo de memória, já na introdução:

“Eu já vivi muitas vidas. Sei que não há nada de extraordinário nisso, pois esta é a maravilhosa sina evolutiva de toda criatura.” (página 11)

Várias reviravoltas do enredo prendem a atenção do leitor. Anna é levada pelo pai à cidade de Paris, onde poderá explorar melhor seus talentos de pianista. Antonio tem vários amigos e continua vivendo em Veneza. Sente falta da doce Anna e das aulas de música, além das conversas com ela. Anna acreditava na possibilidade da vida além-túmulo e lhe explicava que tais espíritos usavam as mesas girantes para se comunicarem. Antonio não acreditava em nada disso, porém não contrariava Anna frontalmente. Entretanto, fatos estranhos começam a tirar seu sono, atormentado por um “fantasma” rabugento.

Entre os amigos, é Benedetto quem descobre rapidamente o amor que Antonio nutre por Anna. Ele é também músico, tendo participado de algumas aulas, tocando em trio com os dois. Ele também se interessa pelos fenômenos das “mesas falantes”.

Certa feita, numa conversa com Benedetto, este fez uma observação a respeito “da avalanche de grandes músicos despejada sobre a Europa nos últimos cem anos”. Eis a sequência do diálogo:

“- Este ar de nostalgia que nós, músicos, sentimos me faz pensar se há algo premeditado nisso, como no velho testamento, quando os grandes profetas vinham em quantidade, anunciar novas verdades – eu complementei.

- Sabe que também penso nisso? Mas nunca achei alguém que me acompanhasse as ideias.

- Sim, parece que a odisseia humana é escrita em períodos alternados de grandes personalidades, grandes ideias, grandes impérios, grandes movimentos… – concordei.

- Às vezes, fico pensando se não são os mesmos que vão e voltam.

- O que está dizendo? – perguntei, confuso.

- Nunca pensou na possibilidade de podermos voltar, como Sócrates queria supor?

- Não sei nem mesmo se continuamos a existir depois da morte. Quanto mais voltar…”

Quando Antonio finalmente resolve ir atrás de Anna, em Paris, ele acaba conhecendo o professor. E quem é esse professor, na casa de quem se hospeda? Ninguém menos que Allan Kardec. O livro passa a mostrar um pouco do excessivo e dedicado trabalho do genial codificador do Espiritismo.

Os detalhes, as reviravoltas do enredo, outras manifestações espíritas, vou deixá-los para quando o leitor degustar o livro. Não o perca, vale inteiramente a pena. Com tão pouco tempo de lançamento, a editora me comunicou, por e-mail, que O Violinista de Veneza já é o segundo livro mais vendido no ranking da Livraria Candeia, especializada em distribuição de obras espíritas via internet. Méritos do Roberto Cabral.

Roberto Cabral. O Violinista de Veneza. Intelítera Editora. São Paulo: SP, 2012.