Romances espíritas não são, em sua maioria, obras pertencentes à categoria de Literatura strictu sensu. Por esta categoria, entende-se aquele texto cuja chamada função poética é fortemente trabalhada pelo autor, evidenciando-se sua intenção de construir frases bem arquitetadas, com uso de figuras de linguagem. São textos que nos impressionam exatamente pelo burilamento da frase, pela originalidade, pela expressividade.
Não poderia ser diferente: romances espíritas, em sua maioria, são obras psicografadas por espíritos que não foram escritores profissionais, captadas por médiuns que, igualmente, não são pessoas com formação literária, ou como se diz hoje, com formação em escrita criativa.
Via de regra, os espíritos que ditam suas obras o fazem como uma tarefa, tendo em vista ajudar na divulgação do espiritismo, ou mais precisamente, na divulgação da vida “do lado de lá”. Muitos deles resgatam suas memórias para os relatos pregressos servirem de incentivo à melhoria moral dos leitores, estudo de alguns aspectos das realidades do universo espiritual.
São obras extremamente válidas para o Espiritismo. Imagino a dificuldade em se conseguir a produção de tais trabalhos, uma vez que é imprescindível a sintonia psíquica entre médium e espírito comunicante. Como não se pode tirar alguma coisa do nada, é preciso que muitos conhecimentos sejam ativados do subconsciente do médium, para que a tarefa espiritual seja levada a contento. Por exemplo, um romance cuja ação se passe durante a Revolução Francesa só conseguirá ser produzido, pelo menos com um mínimo de qualidade e coerência textual, por um subconsciente em que estejam guardadas vivências deste período. Assim, o espírito comunicante utiliza-se deste material psíquico para compor sua comunicação escrita.
Preâmbulo feito, passemos ao romance.
O livro O Violinista de Veneza, de autoria de Roberto Cabral, é uma das exceções. Roberto é filho de pais espíritas, nascido em Governador Valadares, MG. Recebeu influências literárias de seu pai, o poeta pernambucano José cabral. Criança, escrevia livros de contos baseados no folclore brasileiro, os quais nunca chegou a publicar.
O Violinista de Veneza é uma obra espírita e literária. Texto fluente, gostoso de ler, fica muito clara a utlização da função poética da linguagem: suas frases são bem construídas, seu texto tem ritmo apropriado.
Esta obra da editora Intelítera, de 282 páginas, nos conta a história de amor entre o violinista Antonio Di Moretti e Anna, a quem ele dava aulas de música. Ela ainda não sabe que ele a ama em silêncio; não sabe nem mesmo que o ama também. A ação do livro se passa exatamente na cidade de Veneza, provavelmente no século XIX. Eis um trecho:
“… Além da influência de meu pai, minha descendência contava com uma inumerável fila de músicos, uns excelentes, outros medíocres; outros que, apesar do virtuosismo, perderam-se na glória e na admiração de si mesmos, descambando para uma vida de desregramentos e indisciplinas.
Foi meu pai que me ensinou a amar Antonio Vivaldi, um dos maiores gênios do violino. E preciso dizer que por causa disso eu me chamava Antonio. Um nome italiano como tantos outros, mas que eu carregava com orgulho, por saber do meu homônimo. Fisicamente em nada parecíamos. Vivaldi tinha sobrancelhas finas e nariz afilado e longo. Era conhecido como il Prete Rosso (o Padre Russo), por causa de seus cabelos vermelhos. Eu tinha o cabelo negro e curto, com uma franja a cobrir-me a testa, bem ao estilo italiano.”
(página 17)
O escritor instaura o próprio Antonio Di Moretti como um narrador-personagem, narrando em tempo de memória, já na introdução:
“Eu já vivi muitas vidas. Sei que não há nada de extraordinário nisso, pois esta é a maravilhosa sina evolutiva de toda criatura.” (página 11)
Várias reviravoltas do enredo prendem a atenção do leitor. Anna é levada pelo pai à cidade de Paris, onde poderá explorar melhor seus talentos de pianista. Antonio tem vários amigos e continua vivendo em Veneza. Sente falta da doce Anna e das aulas de música, além das conversas com ela. Anna acreditava na possibilidade da vida além-túmulo e lhe explicava que tais espíritos usavam as mesas girantes para se comunicarem. Antonio não acreditava em nada disso, porém não contrariava Anna frontalmente. Entretanto, fatos estranhos começam a tirar seu sono, atormentado por um “fantasma” rabugento.
Entre os amigos, é Benedetto quem descobre rapidamente o amor que Antonio nutre por Anna. Ele é também músico, tendo participado de algumas aulas, tocando em trio com os dois. Ele também se interessa pelos fenômenos das “mesas falantes”.
Certa feita, numa conversa com Benedetto, este fez uma observação a respeito “da avalanche de grandes músicos despejada sobre a Europa nos últimos cem anos”. Eis a sequência do diálogo:
“- Este ar de nostalgia que nós, músicos, sentimos me faz pensar se há algo premeditado nisso, como no velho testamento, quando os grandes profetas vinham em quantidade, anunciar novas verdades – eu complementei.
- Sabe que também penso nisso? Mas nunca achei alguém que me acompanhasse as ideias.
- Sim, parece que a odisseia humana é escrita em períodos alternados de grandes personalidades, grandes ideias, grandes impérios, grandes movimentos… – concordei.
- Às vezes, fico pensando se não são os mesmos que vão e voltam.
- O que está dizendo? – perguntei, confuso.
- Nunca pensou na possibilidade de podermos voltar, como Sócrates queria supor?
- Não sei nem mesmo se continuamos a existir depois da morte. Quanto mais voltar…”
Quando Antonio finalmente resolve ir atrás de Anna, em Paris, ele acaba conhecendo o professor. E quem é esse professor, na casa de quem se hospeda? Ninguém menos que Allan Kardec. O livro passa a mostrar um pouco do excessivo e dedicado trabalho do genial codificador do Espiritismo.
Os detalhes, as reviravoltas do enredo, outras manifestações espíritas, vou deixá-los para quando o leitor degustar o livro. Não o perca, vale inteiramente a pena. Com tão pouco tempo de lançamento, a editora me comunicou, por e-mail, que O Violinista de Veneza já é o segundo livro mais vendido no ranking da Livraria Candeia, especializada em distribuição de obras espíritas via internet. Méritos do Roberto Cabral.
Roberto Cabral. O Violinista de Veneza. Intelítera Editora. São Paulo: SP, 2012.
6 comentários:
gostei muito , vou ler peguei emprestado de um bom amigo.
Olá, jorgi@nny.
Leia o Violinista de Veneza e depois me diga o que achou. Suspeito que você vai gostar muito.
Cleuber
A história é real?
Oi, Juliana, tudo bem?
Resposta a sua pergunta:"O Violinista de Veneza" é uma obra de ficção. Se puder, leia o livro. Recomendo!
Olá!! adorei o livro! viajei no tempo, me senti tomando café da manhã com o Professor Rivail, andei de barcos pelos canais de Veneza.... Sabe a música que até hoje que eu mais gosto o do Domenico Modugno, "Il violino du maestro" e a história é bem parecida. Abraços!!!
Obrigado por divulgar o livro com tanto carinho!! Roberto Cabral
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