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sexta-feira, 5 de junho de 2015

Flávia–Sonhos e Regressões

Resultado de imagem para livro flavia sonhos e regressõesFlávia – Sonhos e Regressões é o que podemos chamar de “romance espírita didático”. Por tratar de temas da doutrina codificada por Allan Kardec, é uma obra espírita; pela estrutura narrativa, ele se classifica como um romance. Finalmente, é didático porque tem o claro objetivo de apresentar um estudo de alguns temas do espiritismo, utilizando-se, para isto, de uma história atrativa, interessante.

Para essa resenha, fiz uma releitura da obra, anteriormente lida há muito tempo. Venho notando que o trabalho de síntese necessário à produção de resenhas me faz gravar as obras com muito mais intensidade. Não me lembrava, por exemplo, de tantos detalhes postos em evidência nesse segundo acesso.

O autor de Flávia – Sonhos e Regressões é o médico, estudioso e palestrante espírita, Dr. Ricardo Di Bernardi. O presente trabalho foi sua primeira incursão no campo ficcional; escreveu ainda uma continuação desse romance, Amor, Sexo e Vidas Passadas. Ricardo Gandra Di Bernardi é o pai de Reencarnação e Evolução das Espécies, Dos Faraós À Física Quântica, Voo Livre – Um Estudo Sobre Reencarnação, Navegando nos Mares da Imprensa, Reencarnação, Amor e Sabedoria, Temas Polêmicos do Século XXI, A Reencarnação em Xeque e talvez seu livro mais conhecido, Gestação, Sublime Intercâmbio. Um percurso de peso, como se vê.

Dr. Ricardo é médico homeopata geral e pediatra. Dedica-se também à Terapia de Regressão a Vidas Passadas. Fundou o ICEF – Instituto de Cultura Espírita de Florianópolis e a AME SC – Associação Médico-Espírita de Santa Catarina. É congressista e palestrante, já tendo, inclusive, participado de Congresso Internacional, apresentando interessante pesquisa sobre a bioeletrografia (fotos Kirlian). Ou seja, além de ser um estudioso, é um pesquisador – características sempre bem-vindas ao desenvolvimento de qualquer área, notadamente à do espiritismo.

A trama envolve Flávia, uma mulher separada do marido, seus dois filhos Caio e Pietro; a amiga de Flávia, Diva – viúva de George – sua filha Isabella. Além desses, vão compor a história o Dr. Bernini – espécie de alter ego do autor –, Linus, um amigo de George e Diva; Regina e Massimo, dirigentes da instituição espírita italiana Sentieri Dello Spirito, de existência real.

Caio, filho de Flávia, tem um problema, um verdadeiro entrave a suas pretensões profissionais:

“Havia um pormenor na vida de Caio  que o incomodava sobremaneira, seu temor de falar em público. Conhecia muito a respeito de determinados temas, dominava os assuntos, mas, quando se via em grupo, e lhe era solicitado pronunicar-se sobre algo, engasgava, engolia em seco e falava o mínimo. Depois, aborrecia-se ao constatar que passara a impressão de pouco conhecer sobre o tema.

Essa dificuldade lhe granjeara algumas notas medianas nas provas orais, muito aquém do seu real merecimento. Para agravar a situação, a ambição que acalentava no seu íntimo era ministrar aulas na universidade, mas, com essa dificuldade, o objetivo lhe parecia ser difícil, mesmo em porvir distante.” (página 39)

A mãe recomenda ao filho procurar o Dr. Benini, famoso  médico que desenvolvia a terapia do insight, metodologia vinculada à regressão de memória. Esse profissional trabalhava com o paciente consciente, levando-o a mergulhar no passado, indo até mesmo a uma existência passada. Na verdade, além de sentir essa timidez diante do público, Caio se caracteriza por ser de caráter introspectivo (não confundir com timidez), mais interiorizado e metódico. Gosta de arte, de leitura, assiste a documentários e prefere música erudita.

Bem ao contrário do irmão Pietro, mais novo, de porte atlético, extrovertido, namorador, esportista – é jogador de basquete. Entre os dois irmãos, apesar de um ser o oposto do outro, reina um clima fraternal, para o orgulho de Flávia.

Os problemas se aceleram quando Flávia passa a ter sonhos, cada vez mais detalhados. Ela se sente identificada com a personagem Flávia Flamínia, filha do senador Octávio, nos tempos do imperador romano César Augusto, em cujo período também se notablizara o poeta Publius Ovidius Nasão, mais conhecido como Ovídio. A reincidência desses sonhos leva Flávia a também procurar o Dr. Bernini.

Os acontecimentos do passado e seus desdobramentos no presente acabam por fazer os personagens se integrarem de novo. Os envolvimentos amorosos do passado se repetem no presente. Alguns conflitos, algumas dificuldades também, pois nem todas haviam sido relações tranquilas, ainda mais dentro de um contexto diferente, como o de Roma antiga e sua cultura.

Diva participa da instituição chamada de Sentieri Dello Spirito e, juntamente com o Dr. Bernini, são a voz “didática” que explica os fatos, as relações, sob uma ótica espírita. Sempre de maneira bem dosada, as informações são passadas ao leitor, o que nos faz pensar que o autor tinha em mente a preocupação de orientar um possível leitor neófito nos assuntos do espiritismo. Tal se torna evidente em dois momentos principais da narrativa: a troca de e-mails entre Caio e o Dr. Bernini, com a entrada posterior de Flávia nessa troca de informações e mais tarde, quando de uma roda de discussões entre vários dos personagens e o famoso terapeuta.

A obra alia uma ótima pesquisa histórica sobre a Roma dos césares, um sólido conhecimento da doutrina espírita e um providencial glossário de referências técnicas e históricas.

O livro é escrito servindo-se o autor de um tempo não completamente ordenado cronologicamente, como seria de se esperar num romance em que vidas passadas (ou, se quiserem, vivências passadas) são um ponto tão importante. O enredo é quebrado por incursões no passado, primeiro pelos sonhos espontâneos de Flávia; depois, pelas recordações induzidas nas sessões de terapia do Dr. Bernini. As lembranças de Caio, ainda que tenham menor importância narrativa, também proporcionam essa quebra temporal.

Não espere, leitor, um romance psicografado, pois não é o caso desta obra. Ricardo Di Bernardi esclarece o fato já na introdução do trabalho. E – do ponto de vista de literatura strictu sensu (sentido estrito, técnico) – não espere ter em mãos um livro de excelentes pendores literários. Na verdade, a obra chega a resvalar, em alguns trechos, nos romances do tipo água-com-açúcar; a seu favor, Ricardo sai-se muito bem dentro do seu projeto, a saber, produzir um romance didático. A história contada consegue segurar a atenção do leitor até o fim, mas a prata da casa são as informações. É um trabalho honesto, fiel ao que se propõe e fiel ao preconizado pela doutrina espírita.

Leia-o, se puder.

BERNARDI, Ricardo Di. Flávia – Sonhos e Regressões. 1ª edição. Editora Intelítera. São Paulo, SP: 2011.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Sinfonia da Alma, de Ana Cristina Vargas/Espírito Layla

Resultado de imagem para Ana Cristina VargasAna Cristina Vargas iniciou seus estudos da doutrina espírita quando contava com apenas 17 anos. Sua curiosidade em entender como funcionavam os ditos fenônemos mediúnicos a levaram por esse caminho. Em 2000, começou o trabalho de psicografia de livros, inicialmente inspirada e instruída pelo espírito José Antônio e dessa parceria surgiram as obras Tihuantinsuyo – Os Quatro Cantos do Mundo, subdividos em O Herdeiro, A Virgem do Sol e O Fim E O Início; Ídolos de Barro, Dramas da Paixão, Escravo da Ilusão, O Bispo, Na Ponta dos Pés, O Quarto Crescente, Intensa Como O Mar, A Morte É Uma Farsa. Em colaboração com o mesmo José Antônio e o espírito Layla, produziu a trilogia Em Busca de Uma Nova Vida, Em Tempos de Liberdade e Encontrando A Paz. O último trabalho, esse Sinfonia da Alma, é inspirado somente pelo espírito Layla.

A médium é natural da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, sendo também fundadora da Sociedade de Estudos Espíritas Vida, na mesma cidade. Algumas dessas obras estão há um tempo fora de catálogo, mas ainda é possível achá-las em sites de venda de livros. O Bispo está em nova edição, à disposição dos leitores.

Sinfonia daResultado de imagem para livro Sinfonia da Alma Alma nos relata um pouco da vida da personagem Denise. Desde pequena, ela convive com um problema estranho: é sonâmbula e quando está nesse estado, assume uma personalidade diferente da atual Denise; entoa canções folclóricas em provençal e mantém contato com alguém chamado Anton, visivelmente muito caro a ela.

Denise também tem outra característica: ama apaixonadamente a música. Sua mãe, Marlene, não aprova a escolha da filha; música não dá futuro a ninguém, no seu modo de entender. Já o pai tem gênio apaziguador, apesar de também não entender a escolha da filha. A conselho dele, no intuito de melhorar as relações entre Denise e Marlene, ele sugere à menina fazer um curso a gosto da mãe e, ao mesmo tempo, cursar sua tão querida faculdade de música.

Os caminhos da vida levam Denise a Paris, pois ela obteve uma bolsa de estudos para se aprimorar em canto lírico na cidade-luz. Nova vida, longe dos problemas com a mãe, que simplesmente não conversa mais com ela, Denise faz novos amizades: Maurice, amigo de primeira hora; Charlotte, companheira de quarto; Max, inglês, residente em Paris e amigo de Charlotte.

Os acontecimentos conduzem Denise a entrar em contato com sua personalidade do passado e novos fatos vão se desencadear, conduzidos por amigos da espiritualidade que se interessam em seu crescimento como espírito encarnado.

Dois personagens magníficos, Berthe – de 63 anos e residente na cidade de Nancy, tia de Charlotte – e Bertoldo, colaborador de Berthe serão de fundamental importância nos eventos futuros. São espíritas, trabalhadores experientes, convocados pela espiritualidade para a tarefa de auxiliar Denise.

O livro é rico e explora o tema da educação mediúnica, além de outros subtemas, não menos importantes, como a liberdade de cada um, a resignação para vencer as provas necessárias ao nosso adiantamento espiritual, o mal que podemos fazer a nós mesmos quando somos excessivamente críticos dos outros e nos mantemos numa postura rígida demais diante dos pulsos renovadores da vida.

De todos os livros desses autores – Ana Cristina, José Antônio e Layla – li quase todos, apenas A Morte É Uma Farsa está à espera. Ídolos de Barro, por exemplo, já li quatro vezes, e pelo jeito, ainda vou lê-lo mais vezes; pelo menos, mais uma vez, pois desejo resenhá-lo para este blogue.

Portanto, com esse histórico, nem é preciso recomendar a leitura de tais obras. Sinfonia da Alma não foge à qualidade de texto tão característica desses autores e à fidelidade à doutrina kardequiana.

Eis alguns trechos para degustação:

“- É de algum espírito? No Brasil tem muitos.

- Não, querida, é de Balzac.

Denise fez uma expressão de espanto, conhecia o nome do    escritor, mas nunca o havia associado a questões de espiritualidade. Aliás, precisava confessar que nunca lera qualquer dos clássicos da literatura francesa.

- Conheço o nome, não sabia que ele escrevia sobre esse assunto. Sei que ele é tido como um clássico da literatura francesa.

- Sim, ele, Victor Hugo e outros escritores da época clássica da literatura francesa eram espiritualistas. Foi um período de investigação e questionamentos, e era natural que esses pensadores tivessem se interessado pelo espiritismo. Mas, para ser justa, esse tema acaba permeando a obra dos pensadores desde a antiguidade até os tempos contemporâneos. Seráfita [de Balzac] será um boa leitura para começar.” (página 176)

“- Claro. O homem mais feio e o mais encantador da cidade. Quem não conhece Bertoldo? Ele é um encanto. Faz tempo que não o vejo. Como está? Muito desarrumado?

- Ah, Charlotte, não fale assim. Ele é tão meigo!

Charlotte riu. “Bertoldo é uma espécie de Shrek da vida real”, pensou.” (página 216)

“Berthe olhou a mão estendida e encarou a jovem. O medo estava ali, um grande monstro velho, pálido e pesado, fragilizando sua hospedeira. Uma cena sentimental, lágrimas e palavras comoventes seriam suficientes para alimentar esse monstro. Então Berthe cruzou os braços e respondeu séria:

- Vença-o. Domine-o. Cresça. Eu me disponho a orientá-la, mas não vou segurar a sua mão. Você não precisa de bengala e não quero dependente. Nós somos seres individuais, temos todo o necessário para viver sobre as próprias pernas. Se você beber da minha força, não descobrirá a sua. A cada dificuldade do caminho, correrá à minha procura. Chegará um dia em que estarei exausta, cheia de você até as orelhas, porque ninguém aguenta ser sugado, sem saber o que lhe tomam. Dependentes simplesmente tomam a vida do outro. E quando chegar o dia em que eu não mais quiser lhe dar a mão e deixar-me sugar, você continuará como uma criança dominada pelo medo. Ele, o medo, terá comido a sua vida e, por tabela, a minha. Você não cresceu, porque se acomodou à dependência e não desenvolveu suas forças. O medo paralisa e a preguiça entretém a estagnação. E o tempo escoará pelos dedos e ficaremos as duas de mãos vazias. Então, Denise, vamos deixar claro desde já: eu a oriento, você estuda e trabalha pelo seu progresso. A luta é sua, encare-a. Não me estenda a mão, trabalhe por si mesma em vez de mendigar as forças alheias. A espiritualidade não é piegas, querida.” (página 204)

Talvez, leitor, esse último trecho transcrito da página 204 lhe pareça excessivamente duro, impiedoso, sem caridade. Entretanto, muitas vezes isso acontece na relação entre terapeuta experiente e paciente, quando este último se recusa a reagir. É a terapia do choque emocional. Realmente, não há lugar para acomodações em nossa evolução, pois tudo é provisório, impermanente. Evolução é sinônimo de movimento. Muito do nosso sofrimento acontece exatamente por admitirmos em nosso íntimo esse monstro, o medo.

Se puder, não perca a leitura muitíssimo proveitosa dessa obra, caro leitor.

VARGAS, Ana Cristina. Espírito Layla. Sinfonia da Alma. 1ª Edição. Editora Vida e Consciência. São Paulo, SP: 2014

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O testemunho dos sábios, de Rafael de Figueiredo/frei Felipe

“Na úmida e enevoada Londres, mais um dia de outono se erguia, apontando aos moradores da mais importante metrópole europeia da época que o inverno que logo chegaria não diferiria dos anteriores. Os transeuntes envergavam pesadas roupas, pois, mesmo que as temperaturas ainda não houvessem despencado, um gelado vento cortava a cidade proveniente do Tamisa.

As dificuldades impostas pelo clima têm o poder de moldar os hábitos e as personalidades das pessoas. Os habitantes de regiões onde o sol aparece poucas vezes parecem trazer ares mais sombrios, talvez contagiados pelas próprias nuvens que quase sempre desfilam sobre suas cabeças. O frio exige alimentação mais calórica e torna seus habitantes de complexão robusta, ao mesmo tempo em que o trabalho, recurso que os ares gelados também parecem estimular, torna-se compromisso moral da população. Estranho como o clima age sobre o caráter de uma nação. Torna o povo mais sério ou galhofeiro.

A capital inglesa do início do século XX trazia seus ares aristocráticos, impulsionada pelo desenvolvimento industrial em franca expansão, impondo-se ao mundo como potência econômica e social. Assim como em séculos anteriores outras nações influenciaram os hábitos e costume social, chegara a vez da famosa ilha, além do Canal da Mancha. Grandes corporações financeiras ali tinham sua sede, o comércio mundial dependia do aval inglês. Seus braços se estendiam às colônias na América, África e Ásia. Em resumo, manter-se atualizado significava à época conhecer do que tratavam os ingleses.” (páginas 9/10)

Assim tem início a história contada na obra O testemunho dos sábios, de frei Felipe e psicografia de Rafael de Figueiredo. Em poucos parágrafos, como se pode constatar acima, toda a contextualização inicial da narrativa está delineada. Nesta Inglaterra irão se movimentar os nossos personagens.

Edouard Smith é um médico, inteligente e perspicaz. Casado com Elizabeth Clarkson, de uma tradicional família inglesa. Culta, além de falar francês fluentemente, estudara canto e piano e participava de diversos saraus familiares. O casal reside numa boa casa, onde a empregrada Gladys lhes servia.

Elizabeth tem a atenção chamada para a leitura dos tabloides circulantes à época, nos quais as notícias das reuniões mediúnicas vêm ao encontro da curiosidade popular.

Edouard é cético quanto ao assunto, e critica os estudos de François Marie-Gabriel Delanne e Charles Robert Richet – cientistas conhecidos então – sobre os fenômenos espirituais inexplicáveis pela ciência estabelecida.

Rupert Stewart, bem mais velho que Edouard Smith – e, como este, médico – tem pelo companheiro de profissão uma amizade intensa, no que é correspondido. Trabalham os dois no mesmo hospital. Não sabem ainda, mas essa amizade desenvolvida tão de pronto vem de reencarnações passadas e terá um papel primordial no futuro do jovem médico.

Fundamentais também serão John e Clara Robertson, incansáveis pesquisadores do que realmente acontece naquelas estranhas reuniões, nas quais o “sobrenatural” se manifestava.

Edouard é médium ele mesmo, e logo começam as manifestações fenomênicas por seu intermédio. Entretanto, seu ceticismo é duro de vencer:

“Atônito, sem saber o que fazer, Edouard sentiu certo receio. O que acontecia? Lembrou-se que já sentira impressões estranhas em sua primeira participação em uma sessão mediúnica. Estaria sendo vítima de um fenômeno mediúnico? Sentia-se chumbado à poltrona, todo seu corpo parecia dormir, entretanto, seus pensamentos se manifestavam em todo seu vigor. Sua lucidez parecia aclarada. De súbito, ouviu pancadas surdas, que estalavam e produziam ruídos em todos os lados da sala. Parecia que alguém oculto batia nos móveis e paredes.

Ele estava bastante impressionado, parecia que os Espíritos estavam decididos a convencer o jovem  médico de uma vez por todas. Após as batidas, passou a lutar contra a sensação que o dominava. Desejava que isso parasse. Sentia-se constrangido e com medo. As batidas se fizeram ouvir mais uma vez, dessa vez na parede atrás de sua poltrona.”

A partir da realidade dos fatos, o médico começa a estudar mais a fundo sobre tais eventos, compulsando os livros de Allan Kardec. Pouco a pouco, rende-se às evidências; espíritos de pessoas amadas, já desencarnadas, comunicam-se com ele.

Sua vida sofre diversas reviravoltas, ganha um mentor de nome Mariano; sua vida tem de ser refeita; explode a Primeira Guerra Mundial:

“Estava escrito com letras garrafais: Inglaterra está em Guerra. O texto da capa tomava todo o jornal. As alianças que vinham sendo contraídas ao longo dos últimos anos foram colocadas em ação. Inglaterra, França e Rússia declararam guerra ao Império Austro-Húngaro, acompanhado do Império Alemão e Otomano. Breve outras nações se agitariam no campo de batalha.

O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando provocou uma reação do Império Austro-Húngaro, que decidira anunciar guerra contra os Sérvios um mês após o atentado. Faltava o pretexto, pois sempre há interesses econômicos e políticos velados por detrás das guerras. A Rússia reagiu e mobilizou armas para defender a Sérvia. França e Alemanha anunciam apoio aos seus aliados e mobilizam-se.” (página 334)

O conflito de escala mundial terá interferência direta na vida de Edouard e dificultará sobremaneira as constantes pesquisas e investigações sobre as atividades espíritas:

“Para o Espiritismo, a guerra trouxe repercussões negativas, visto que conseguiu desconstituir um movimento criterioso e de vigor incalculável para a afirmação dos ideais espíritas. Uma visão científica do Espiritismo  marchava a passos largos na Europa Ocidental, equiparando-se à visão eminentemente religiosa, que se desenvolveu mais tarde no Brasil. O pilar racional da Doutrina dos Espíritos sofreu profundo revés com a explosão de ambas as guerras mundiais.” (página 430)

Na verdade, muitos dos personagens envolvidos nesta trama são espíritos de uma reencarnação passada, na França, cujas vidas e ações já haviam sido abordadas no livro anterior, Do século das luzes, de autoria do mesmo frei Felipe, com psicografia de Rafael de Figueiredo.

O testemunho dos sábios é magnificamente escrito, com claríssima intenção de historiar os primórdios do Espiritismo. As informações são dispostas de maneira a conduzir o interesse do leitor, enquanto lhe são ministradas informações basilares, tanto no próprio corpo do texto, como nas notas de pé de página. É uma leitura extremamente proveitosa, mesmo para aqueles apenas simpatizantes das ideias espíritas, mas degustadores de dados históricos e que desejem saber algo mais a respeito da doutrina dos espíritos.

FIGUEIREDO, Rafael de; espírito frei Felipe. O testemunho dos sábios. Boa Nova editora.Catanduva, SP: 2014.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Sombras de um segredo, de Berenice Germano/Irmã Vitória

Berenice Germano é a médium piscógrafa desta obra. Como já resenhei outro livro mediado por ela nesse blog, Quando é preciso partir, não repetirei seus dados biográficos.

Sombras de um segredo é também um romance mediúnico de fundo histórico, já que a ação se passa na Espanha do século14, mais especificamente na região de Castela, ao sul de Madrid. Está em pleno andamento a luta entre muçulmanos e cristãos pelo domínio da Península Ibérica medieval. Os personagens principais desta trama são Dom Fernão – um perseguidor implacável do judeu Jacó e sua filha Raquel; Jacó é um homem bom, sempre disponível para ajudar os outros. A bela Raquel segue seus passos. Eles não conseguem entender os motivos pelos quais serão vítimas de uma verdadeira caçada. O conde Dom Felipe e a condessa Dona Constância, os filhos Augusto, Alejandro e Carlos formam a família de nobres do lugar. Entretanto, eles são completamente submissos às vontades de Dom Fernão – o porquê dessa submissão só será revelado quase no fim da narrativa.

Na ausência de Dom Felipe, a aldeia próxima ao castelo dos nobres citados acima é incendiada; Jacó é acusado de ter sido o autor do incêndio. Uma das evidências é apenas sua casa ter sido poupada ao fogo devastador de quase tudo. O bondoso judeu é obrigado, então, a fugir da aldeia, levando a filha consigo. O povo, diante da acusação, se esquece facilmente da ajuda que Jacó lhe dera. Tem início uma viagem cheia de perigos, em que a determinação de pai e filha é posta à prova, com Dom Fernão nos calcanhares. Nunca estarão sozinhos; espíritos velam pelos dois, tanto quanto possível. Há realmente um segredo terrível para a época; Jacó sabe de tudo e por isso ele é perseguido.

Eis um pequeno trecho do romance, página 60:

Dom Fernão era odiado na região. Com proteção do conde e de outros fidalgos, abusava do poder que tinha nas mãos e todos eram obrigados a servi-lo. Causava verdadeiro terror na vila. Raquel tremia só de pensar em sua figura truculenta, com a face marcada de varíola da infância, olhos opacos e perversos. À medida que o pai falava, ela se deixava levar pelas lembranças, até que não se conteve:

- Acho que foi bom sairmos da vila! Nossa vida estava muito complicada com dom Fernão rondando nossa casinha dia e noite. Tenho medo só de pensar na expressão de seus olhos. Prefiro morrer  a suportar as maldades daquele homem! A morte deve ser muito melhor.”

Para fugir à sanha de dom Fernão, terão de usar várias estratégias, entre as quais o disfarce da aparência:

Com os cabelos escurecidos e sem barba, o judeu parecia uns quinze anos a menos. Já Raquel, de cabelos escuros e curtos, com um gorro de lã, apesar da tez macia tinha a aparência de um garoto que ainda não chegara à adolescência; o traje masculino conseguia esconder suas formas arredondadas.”

Outros personagens vão entrando na história, como o capitão Álvaro, fiel a Alejandro, filho do conde Felipe. Ele e a jovem Raquel amam-se. Álvaro tentará de todas as maneiras dar segurança a Jacó e à filha. Ana, uma prima desse capitão, com quem os fugitivos viverão por um tempo; irmã Vitória, vinculada a um convento, constituindo-se numa espécie de protetora da Raquel. E, sob a influência dela, Raquel desperta o amor ao próximo.

Sombras de um segredo é uma obra bem escrita, com boa trama que nos prende a atenção até o final; os preceitos espíritas estão tratados de maneira condizente com a codificação. Enfim, uma boa leitura, tanto no campo do mais simples entretenimento (prazer estético em se ler um livro bem escrito), quanto nos esclarecimentos de como funciona as leis divinas, de acordo com a visão espírita.

GERMANO, Berenice; espírito irmã Vitória. Sombras de um segredo. Vivaluz editora espírita. Atibaia, SP: 2013.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Do Século das Luzes, de Rafael de Figueiredo/Frei Felipe

O escritor espírita Rafael de Figueiredo nasceu em 1980, atua também como palestrante. Ele é técnico em eletrônica e possui bacharelado e licenciatura plena em Educação Física, pela Unisinos. Atua também na área comercial. É espírita desde os 20 anos de idade. Psicografa desde 2001, tendo publicado quatro livros, todos pela Editora Boa Nova: Nas Brumas da Mente, autor espiritual Francois Rabelais; Do Século das Luzes, com Frei Felipe; Infância e Mediunidade, com o espírito François Rabelais e, finalmente, O Testemunho dos Sábios, com autoria de Frei Felipe.

Rafael é um divulgador do Espiritismo pelo mundo. Fala fluentemente o idioma francês. Como sua esposa é de cidadania russa, está aprendendo o idioma russo. Já proferiu palestras sobre Espiritismo no Brasil e em Paris, França.

O pano de fundo da história é o século XVIII. A Igreja Católica é o centro do poder religioso, com seu Index Libris Prohibitorium (Relação dos Livros Proibidos) e os processos da Santa Inquisição. Estão presentes alto grau de misticismo, ignorância, falta de higiene em uma França dividida em três estamentos: primeiro estado, o clero; segundo estado, a nobreza e a família real; terceiro estado, camponeses e a burguesia. A essa estrutura social deu-se o nome em francês de Ancien Régime (Antigo Regime), mantido pelas mãos de ferro de reis absolutistas.

As tensões crescem  e, pouco a pouco, vemos o Ancien Régime se desmoronar e as sementes do que viria a ser a Revolução Francesa se disseminarem. Nesse ambiente complexo, de lutas idealistas, anseios de igualdade entre os homens, maior liberdade e justiça (nesse esquema dos três estados só o povo pagava impostos) por um lado, e a corrupção e os desmandos da religião vigente, as orgias e a gastança dos nobres e a miséria do povo, por outro lado, irrompem ideias novas, como o magnetismo animal, como proposto pelo alemão Anton Mesmer.

Tudo começa quando Lola, uma adolescente de uns 16 anos de idade chega aos subúrbios portuários de uma importante cidade na França. Ela está completamente só e com fome e logo a prostituta Sophie se apieda dela. Torna-se sua protetora. Mas Sophie cai de cama, adoentada; não podendo exercer suas atividades, não ganha nada. Esta é a porta de entrada de Lola no meretrício. Para se manter e poder cuidar da amiga, ela se prostitui. A companheira se recupera e percebe que Lola está grávida e com a frágil saúde comprometida. Entretanto, contrariando todos os conselhos de que uma prostituta não pode engravidar, deve antes praticar o aborto, ela se decide por poupar a vida do nascituro. Intuindo não resistir ao parto, (ela contraiu tuberculose, doença muito comum na época, pelas péssimas condições de higiene), ela faz Sophie lhe prometer cuidar do pequeno Jean, que vai nascer.

Apesar de ter feito a promessa, mais para tranquilizar a amiga que morria, Sophie entrega o bebê à senhora Poupillers, que já cuidava dele, para encaminhá-lo à adoção. A ex-babá deixa o menino à beira de uma estrada, debaixo de uma árvore. Um frade em idade avançada, Frei João, descobre e recolhe a criança, levando-a para a instituição religiosa à qual servia. Frei Mariano, prior desta instituição, era bondoso e acolhe o pequeno sem titubear. Várias crianças órfãs já estudavam no local. Mas como cuidar de um bebê? Frei Mariano o leva para a família Dupré. Henry e Suzette Dupré recebem a criança de bom grado, pois Suzette havia tido um filho, de nome Michel. Adotam o pequeno Jean e o criam como se fosse filho biológico. Jean e Michel tornam-se amigos e irmãos, apesar de terem a constituição psicológica completamente diferente: Jean é introspectivo e melancólico, enquanto Michel é alegre e falante.

Suzette fica doente e morre; Henry tem de prover o sustento próprio e da família. Frei Mariano e Frei João lembram a Henry a promessa que haviam feito, qual seja, a de recolherem e cuidarem dos dois meninos, dando-lhes escola no monastério onde serviam. O arranjo vem a calhar, pois Henry precisa se separar dos meninos para arranjar trabalho. Parte, embora saudoso dos filhos. Não chega ao seu destino, pois assaltantes o matam pelas costas, no caminho para a casa de alguns parentes que moravam distante. Os meninos, então, passam a ser responsabilidade exclusiva dos freis.

Jean manifesta mediunidade muito cedo, descontrolada. É propenso a “crises”, como eram chamadas as manifestações mediúnicas à época. Frei João, já idoso, morre e Frei Mariano tem de fazer uma viagem. Ele deixa Frei Luís em seu lugar. Não sabendo como agir durante uma crise de Jean, ele manda encarcerar o menino até que cessam as manifestações. A partir do retorno do Frei Mariano, temos um ambiente harmonioso, em que ele, Jean e Frei Luís começam a realizar reuniões secretas de estudos. Estudam autores proibidos pela Igreja, por isso as reuniões são secretas. Leem Platão, Voltaire, Rousseau, clássicos gregos... Aos poucos, os três conseguem abrir suas mentes e as manifestações de Jean ficam disciplinadas e controladas.

Entretanto, o futuro do grupo impõe mudanças e eles têm de deixar o monastério e assumirem novas identidades; Jean Dupré passa a chamar-se Jean Baptiste d’Oberville, Michel agora é Louis Henry d’Oberville e Frei Luís adota o nome de Pierre d’Oberville. Dessa forma, o frei apresenta-se como pai dos dois meninos. Logo após, seguem para a casa de um tio de Pierre, Gastão d’Oberville.

A vida prossegue e a nova família passará por diversas atribulações, algumas delas motivadas por reajustes de outras reencarnações; não obstante, nunca lhes falta auxílio espiritual. O jovem Louis torna-se um militante e panfletista antimonárquico, advogando novas idéias ventiladas pelo Iluminismo, pelos valores de igualdade entre os homens.

Alguns trechos, aperitivos para o leitor:

“Sophie levantara-se confusa, não conseguia recordar o que em flashes lhe vinha à mente. Não conseguindo nada, mesmo com esforço, desistira. Permanecia, no entanto, a sensação de que algo fora esquecido. Despreocupando-se com o incidente, a imagem do menino recém-nascido lhe viera aos pensamentos. Somente agora recordara que Lola deixara-lhe um filho sob os cuidados. E intensa aflição lhe acrescera ao espírito.

Elucubrações se deserolavam em seus pensamentos. O que faria com o menino? Quantas vezes desistira do próprio filho em função das necessidades de sobrevivência própria? Que vida poderia legar àquela criança? Valeria a pena crescer naquele lugar? Suas inquirições estavam recheadas das deduções materialistas que não percebiam que o nascimento não se dava à revelia de uma vontade superior. Nem tampouco conhecia as consequências funestas que tais resoluções negativas poderiam significar em seu futuro.” (página 28)

Este é um romance muito bem escrito, do ponto de vista da trama e construção de personagens. O enredo prende a atenção, os personagens principais (Frei Mariano, Jean, Louis, Michel) se modificam durante seu desenrolar. Um painel amplo das tendências e idiossincrasias do século XVIII é traçado e as figuras de Sócrates, Platão, Voltaire e Rousseau são mostradas como precursoras do espiritismo do século XIX. Também Anton Mesmer e sua teoria sobre o magnetismo animal (mesmerismo) são mostrados como caminhos preparatórios para os acontecimentos que irão culminar na codificação do espiritismo de Allan Kardec. As cenas descritas têm vigor das coisas vividas; a pesquisa da época é muito bem feita, construindo um painel coerente e altamente didático. Doutrinariamente, é um livro correto, de acordo com os preceitos espíritas, enfatizando o tempo todo a prevalência do Espírito, do bem ao próximo e do “faça da tua parte e Eu te ajudarei”. Este livro foi lido em três dias, tal o meu envolvimento; prazer estético, doutrinário e reverberações de uma época que não é estranha às minhas próprias vivências.

FIGUEIREDO, Rafael de. Espírito Frei Felipe. Editora Boa Nova. Catanduva, SP: 2010

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Quando é preciso partir, de Berenice Germano/Irmã Vitória

Berenice Germano Abrão é paulista, nascida na capital do estado em 06/06/1952. Possui mediunidade de clarividência e audição, desenvolvidas a partir dos dezoito anos. Dedicou-se aos estudos espíritas para entender o fenômeno que lhe possibilitou ver um espírito no quarto de seus pais. Pela sua mediunidade de psicografia junto ao espírito identificado como Irmã Vitória, nos trouxe, até agora, os romances Minha Vida Pelo Seu Perdão, A Sombra de Um Segredo e este Quando é preciso partir.

A história começa na Rússia do início do século XIX, sob o reinado de Nicolau II, último czar daquele país. Nicolau II encerrou, também, o domínio da longa lista da família Romanov. As condições da Rússia de então eram as mais terríveis; o povo oprimido e explorado por uma elite completamente indiferente às mínimas necessidades de seus súditos acabou dando início a um movimento reivindicatório de melhores condições de vida. Tal manifestação foi recebida à bala, numa carnificina desnecessária, pois a marcha do povo era pacífica. Esse foi o estopim da Revolução Bolchevique de 1918, que depôs o imperador. Numa manifestação de ódio contra a elite indiferente, os Romanov, junto com seus nobres, foram assassinados. Lênin subiu ao poder e o sistema monárquico terminou.

Neste pano de fundo, movem-se os personagens do livro. Vladimir é um jovem muito impulsivo, casado com Beatriz e pai do pequeno Ivan. De condições modestas, sente-se comprometido com o movimento iniciante de reivindicações populares. É amigo de Nicolai, rapaz pertencente à guarda palaciana do czar. Este, ao perceber toda a movimentação armada para conter a marcha dos trabalhadores, tenta avisar o amigo, no sentido de não se juntar ao povo. Vladimir já havia saído. A violência estoura e Vladimir é ferido na perna. Em meio à toda desorientação que se segue – lembremos que a manifestação era para ser pacífica – Nicolai encontra o amigo e o leva para a casa do médico. Entretanto, a ferida na perna é muito grave e ele se esvai em sangue. Com tantas pessoas para atender e em condições muito precárias, o médico não pode fazer muito por ele. Sentindo não durar muito tempo mais, Vladimir obtém de Nicolai a promessa solene de ele cuidar da esposa Beatriz e do filho Ivan.

A revolução tem início. Beatriz mora na casa de Nicolai, recebendo, ela e Ivan, o carinho de Anna, mãe do seu protetor. Rapidamente a situação sociopolítica russa se deteriora, vencem os trabalhadores e os partidários ou simpatizantes do regime deposto são expulsos. O grupo de pessoas viajam para o Brasil, país extremamente distante, do qual quase nada sabiam, mas do qual ouviam dizer das oportunidades amplas de trabalho para imigrantes.

A vida deles segue, agora em São Paulo e não é difícil imaginar-se que Nicolai e Beatriz se apaixonam. Novos filhos vão chegando. Muito trabalho, muito esforço, em condições muito duras. Aos poucos, entretanto, liderados pela mãe Anna, vão conseguindo paulatinamente melhoras de vida.

Terão de enfrentar novas situações difíceis, entre as quais, a Revolução Comunista de 1932, no Estado de São Paulo. A família é composta de seres em reajuste cármico, com débitos originados durante o passado, na Rússia, em que tiveram participação desastrosa relativas ao exercício do poder.

Antigos inimigos espirituais vêm causar-lhes desavenças no seio da família, com um caso de gravíssima obsessão, classificada como subjugação – tipo de obsessão em que o espírito obsessor se assenhora dos pensamentos e reações do obsediado.

Não obstante, não faltará ajuda de espíritos do bem, da constante vigilância do mentor daquele núcleo familiar e do possível auxílio de alguns dos parentes já desencarnados. É mostrada a lei de ação e reação, os mecanismos de reajustes coletivos, a importância fundamental do perdão.

Quando é preciso partir é um texto envolvente, com uma história bem conduzida. Ao fim do volume, há uma chave para a identificação dos personagens participantes do enredo atual e suas outras personalidades do passado. Explicam-se, então, quais foram os fatos geradores de tantas dificuldades e do assédio implacável do espírito Bóris. Grandes ódios, como grandes amores, não se constróem em uma reencarnação somente. Interessantes revelações são expostas e podemos entender, enfim, o porquê das características de alguns dos personagens no presente.

Trecho para degustação:

“- Deus é pai de infinita misericórdia e não criou a dor; somos nós que, ignorantes de suas sábias leis, as transgredimos, e por isso passmos por ajustamentos. Existirá dor maior que ficar na orfandade ainda tão novinhos? Crescer sem o amor de pais ou parentes? Talvez a sua necessidade na atual encarnação seja amparar um pequeno que não tenha nascido de suas entranhas e, assim, descobrir que a capacidade de amar pode ultrapassar os limites do sangue. A compreensão da reencarnação acaba com o preconceito de achar que só são nossos filhos os que nascem de nós. Quem é que sabe se uma dessas crianças não é alguém  muito querido do seu coração, que deve hcegar a você através da adoção? Os filhos que nascem de nós vêm espontaneamente, ao passo que adotar é um grande ato de amor. Pense nisso, Vânia. Pense, e deixe o amor que você tem no coração fluir em benefício de um desses pequeninos.” (página 288)

É interessante ressaltar a força de vontade das personagens femininas: primeiro, Anna, mãe de Nicolai; depois, Beatriz. São verdadeiras batalhadoras, sempre zelando pelo bem-estar da família. Embora às vezes fraquejem, tiram forças de onde não se supõe possível. E aqui vai outra lição tirada da leitura desta ótima obra: persistir sempre, lutar sempre; torna-se necessário manter bem sintonizada a casa mental, para que haja possibilidade de ajuda. Afinal, mesmo nossos mentores não fazem milagres ou nos violentam o livre-arbítrio.

GERMANO, Berenice. Quando é preciso partir. Vivaluz editora. Atibaia, SP: 2011.