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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Do Século das Luzes, de Rafael de Figueiredo/Frei Felipe

O escritor espírita Rafael de Figueiredo nasceu em 1980, atua também como palestrante. Ele é técnico em eletrônica e possui bacharelado e licenciatura plena em Educação Física, pela Unisinos. Atua também na área comercial. É espírita desde os 20 anos de idade. Psicografa desde 2001, tendo publicado quatro livros, todos pela Editora Boa Nova: Nas Brumas da Mente, autor espiritual Francois Rabelais; Do Século das Luzes, com Frei Felipe; Infância e Mediunidade, com o espírito François Rabelais e, finalmente, O Testemunho dos Sábios, com autoria de Frei Felipe.

Rafael é um divulgador do Espiritismo pelo mundo. Fala fluentemente o idioma francês. Como sua esposa é de cidadania russa, está aprendendo o idioma russo. Já proferiu palestras sobre Espiritismo no Brasil e em Paris, França.

O pano de fundo da história é o século XVIII. A Igreja Católica é o centro do poder religioso, com seu Index Libris Prohibitorium (Relação dos Livros Proibidos) e os processos da Santa Inquisição. Estão presentes alto grau de misticismo, ignorância, falta de higiene em uma França dividida em três estamentos: primeiro estado, o clero; segundo estado, a nobreza e a família real; terceiro estado, camponeses e a burguesia. A essa estrutura social deu-se o nome em francês de Ancien Régime (Antigo Regime), mantido pelas mãos de ferro de reis absolutistas.

As tensões crescem  e, pouco a pouco, vemos o Ancien Régime se desmoronar e as sementes do que viria a ser a Revolução Francesa se disseminarem. Nesse ambiente complexo, de lutas idealistas, anseios de igualdade entre os homens, maior liberdade e justiça (nesse esquema dos três estados só o povo pagava impostos) por um lado, e a corrupção e os desmandos da religião vigente, as orgias e a gastança dos nobres e a miséria do povo, por outro lado, irrompem ideias novas, como o magnetismo animal, como proposto pelo alemão Anton Mesmer.

Tudo começa quando Lola, uma adolescente de uns 16 anos de idade chega aos subúrbios portuários de uma importante cidade na França. Ela está completamente só e com fome e logo a prostituta Sophie se apieda dela. Torna-se sua protetora. Mas Sophie cai de cama, adoentada; não podendo exercer suas atividades, não ganha nada. Esta é a porta de entrada de Lola no meretrício. Para se manter e poder cuidar da amiga, ela se prostitui. A companheira se recupera e percebe que Lola está grávida e com a frágil saúde comprometida. Entretanto, contrariando todos os conselhos de que uma prostituta não pode engravidar, deve antes praticar o aborto, ela se decide por poupar a vida do nascituro. Intuindo não resistir ao parto, (ela contraiu tuberculose, doença muito comum na época, pelas péssimas condições de higiene), ela faz Sophie lhe prometer cuidar do pequeno Jean, que vai nascer.

Apesar de ter feito a promessa, mais para tranquilizar a amiga que morria, Sophie entrega o bebê à senhora Poupillers, que já cuidava dele, para encaminhá-lo à adoção. A ex-babá deixa o menino à beira de uma estrada, debaixo de uma árvore. Um frade em idade avançada, Frei João, descobre e recolhe a criança, levando-a para a instituição religiosa à qual servia. Frei Mariano, prior desta instituição, era bondoso e acolhe o pequeno sem titubear. Várias crianças órfãs já estudavam no local. Mas como cuidar de um bebê? Frei Mariano o leva para a família Dupré. Henry e Suzette Dupré recebem a criança de bom grado, pois Suzette havia tido um filho, de nome Michel. Adotam o pequeno Jean e o criam como se fosse filho biológico. Jean e Michel tornam-se amigos e irmãos, apesar de terem a constituição psicológica completamente diferente: Jean é introspectivo e melancólico, enquanto Michel é alegre e falante.

Suzette fica doente e morre; Henry tem de prover o sustento próprio e da família. Frei Mariano e Frei João lembram a Henry a promessa que haviam feito, qual seja, a de recolherem e cuidarem dos dois meninos, dando-lhes escola no monastério onde serviam. O arranjo vem a calhar, pois Henry precisa se separar dos meninos para arranjar trabalho. Parte, embora saudoso dos filhos. Não chega ao seu destino, pois assaltantes o matam pelas costas, no caminho para a casa de alguns parentes que moravam distante. Os meninos, então, passam a ser responsabilidade exclusiva dos freis.

Jean manifesta mediunidade muito cedo, descontrolada. É propenso a “crises”, como eram chamadas as manifestações mediúnicas à época. Frei João, já idoso, morre e Frei Mariano tem de fazer uma viagem. Ele deixa Frei Luís em seu lugar. Não sabendo como agir durante uma crise de Jean, ele manda encarcerar o menino até que cessam as manifestações. A partir do retorno do Frei Mariano, temos um ambiente harmonioso, em que ele, Jean e Frei Luís começam a realizar reuniões secretas de estudos. Estudam autores proibidos pela Igreja, por isso as reuniões são secretas. Leem Platão, Voltaire, Rousseau, clássicos gregos... Aos poucos, os três conseguem abrir suas mentes e as manifestações de Jean ficam disciplinadas e controladas.

Entretanto, o futuro do grupo impõe mudanças e eles têm de deixar o monastério e assumirem novas identidades; Jean Dupré passa a chamar-se Jean Baptiste d’Oberville, Michel agora é Louis Henry d’Oberville e Frei Luís adota o nome de Pierre d’Oberville. Dessa forma, o frei apresenta-se como pai dos dois meninos. Logo após, seguem para a casa de um tio de Pierre, Gastão d’Oberville.

A vida prossegue e a nova família passará por diversas atribulações, algumas delas motivadas por reajustes de outras reencarnações; não obstante, nunca lhes falta auxílio espiritual. O jovem Louis torna-se um militante e panfletista antimonárquico, advogando novas idéias ventiladas pelo Iluminismo, pelos valores de igualdade entre os homens.

Alguns trechos, aperitivos para o leitor:

“Sophie levantara-se confusa, não conseguia recordar o que em flashes lhe vinha à mente. Não conseguindo nada, mesmo com esforço, desistira. Permanecia, no entanto, a sensação de que algo fora esquecido. Despreocupando-se com o incidente, a imagem do menino recém-nascido lhe viera aos pensamentos. Somente agora recordara que Lola deixara-lhe um filho sob os cuidados. E intensa aflição lhe acrescera ao espírito.

Elucubrações se deserolavam em seus pensamentos. O que faria com o menino? Quantas vezes desistira do próprio filho em função das necessidades de sobrevivência própria? Que vida poderia legar àquela criança? Valeria a pena crescer naquele lugar? Suas inquirições estavam recheadas das deduções materialistas que não percebiam que o nascimento não se dava à revelia de uma vontade superior. Nem tampouco conhecia as consequências funestas que tais resoluções negativas poderiam significar em seu futuro.” (página 28)

Este é um romance muito bem escrito, do ponto de vista da trama e construção de personagens. O enredo prende a atenção, os personagens principais (Frei Mariano, Jean, Louis, Michel) se modificam durante seu desenrolar. Um painel amplo das tendências e idiossincrasias do século XVIII é traçado e as figuras de Sócrates, Platão, Voltaire e Rousseau são mostradas como precursoras do espiritismo do século XIX. Também Anton Mesmer e sua teoria sobre o magnetismo animal (mesmerismo) são mostrados como caminhos preparatórios para os acontecimentos que irão culminar na codificação do espiritismo de Allan Kardec. As cenas descritas têm vigor das coisas vividas; a pesquisa da época é muito bem feita, construindo um painel coerente e altamente didático. Doutrinariamente, é um livro correto, de acordo com os preceitos espíritas, enfatizando o tempo todo a prevalência do Espírito, do bem ao próximo e do “faça da tua parte e Eu te ajudarei”. Este livro foi lido em três dias, tal o meu envolvimento; prazer estético, doutrinário e reverberações de uma época que não é estranha às minhas próprias vivências.

FIGUEIREDO, Rafael de. Espírito Frei Felipe. Editora Boa Nova. Catanduva, SP: 2010

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Quando é preciso partir, de Berenice Germano/Irmã Vitória

Berenice Germano Abrão é paulista, nascida na capital do estado em 06/06/1952. Possui mediunidade de clarividência e audição, desenvolvidas a partir dos dezoito anos. Dedicou-se aos estudos espíritas para entender o fenômeno que lhe possibilitou ver um espírito no quarto de seus pais. Pela sua mediunidade de psicografia junto ao espírito identificado como Irmã Vitória, nos trouxe, até agora, os romances Minha Vida Pelo Seu Perdão, A Sombra de Um Segredo e este Quando é preciso partir.

A história começa na Rússia do início do século XIX, sob o reinado de Nicolau II, último czar daquele país. Nicolau II encerrou, também, o domínio da longa lista da família Romanov. As condições da Rússia de então eram as mais terríveis; o povo oprimido e explorado por uma elite completamente indiferente às mínimas necessidades de seus súditos acabou dando início a um movimento reivindicatório de melhores condições de vida. Tal manifestação foi recebida à bala, numa carnificina desnecessária, pois a marcha do povo era pacífica. Esse foi o estopim da Revolução Bolchevique de 1918, que depôs o imperador. Numa manifestação de ódio contra a elite indiferente, os Romanov, junto com seus nobres, foram assassinados. Lênin subiu ao poder e o sistema monárquico terminou.

Neste pano de fundo, movem-se os personagens do livro. Vladimir é um jovem muito impulsivo, casado com Beatriz e pai do pequeno Ivan. De condições modestas, sente-se comprometido com o movimento iniciante de reivindicações populares. É amigo de Nicolai, rapaz pertencente à guarda palaciana do czar. Este, ao perceber toda a movimentação armada para conter a marcha dos trabalhadores, tenta avisar o amigo, no sentido de não se juntar ao povo. Vladimir já havia saído. A violência estoura e Vladimir é ferido na perna. Em meio à toda desorientação que se segue – lembremos que a manifestação era para ser pacífica – Nicolai encontra o amigo e o leva para a casa do médico. Entretanto, a ferida na perna é muito grave e ele se esvai em sangue. Com tantas pessoas para atender e em condições muito precárias, o médico não pode fazer muito por ele. Sentindo não durar muito tempo mais, Vladimir obtém de Nicolai a promessa solene de ele cuidar da esposa Beatriz e do filho Ivan.

A revolução tem início. Beatriz mora na casa de Nicolai, recebendo, ela e Ivan, o carinho de Anna, mãe do seu protetor. Rapidamente a situação sociopolítica russa se deteriora, vencem os trabalhadores e os partidários ou simpatizantes do regime deposto são expulsos. O grupo de pessoas viajam para o Brasil, país extremamente distante, do qual quase nada sabiam, mas do qual ouviam dizer das oportunidades amplas de trabalho para imigrantes.

A vida deles segue, agora em São Paulo e não é difícil imaginar-se que Nicolai e Beatriz se apaixonam. Novos filhos vão chegando. Muito trabalho, muito esforço, em condições muito duras. Aos poucos, entretanto, liderados pela mãe Anna, vão conseguindo paulatinamente melhoras de vida.

Terão de enfrentar novas situações difíceis, entre as quais, a Revolução Comunista de 1932, no Estado de São Paulo. A família é composta de seres em reajuste cármico, com débitos originados durante o passado, na Rússia, em que tiveram participação desastrosa relativas ao exercício do poder.

Antigos inimigos espirituais vêm causar-lhes desavenças no seio da família, com um caso de gravíssima obsessão, classificada como subjugação – tipo de obsessão em que o espírito obsessor se assenhora dos pensamentos e reações do obsediado.

Não obstante, não faltará ajuda de espíritos do bem, da constante vigilância do mentor daquele núcleo familiar e do possível auxílio de alguns dos parentes já desencarnados. É mostrada a lei de ação e reação, os mecanismos de reajustes coletivos, a importância fundamental do perdão.

Quando é preciso partir é um texto envolvente, com uma história bem conduzida. Ao fim do volume, há uma chave para a identificação dos personagens participantes do enredo atual e suas outras personalidades do passado. Explicam-se, então, quais foram os fatos geradores de tantas dificuldades e do assédio implacável do espírito Bóris. Grandes ódios, como grandes amores, não se constróem em uma reencarnação somente. Interessantes revelações são expostas e podemos entender, enfim, o porquê das características de alguns dos personagens no presente.

Trecho para degustação:

“- Deus é pai de infinita misericórdia e não criou a dor; somos nós que, ignorantes de suas sábias leis, as transgredimos, e por isso passmos por ajustamentos. Existirá dor maior que ficar na orfandade ainda tão novinhos? Crescer sem o amor de pais ou parentes? Talvez a sua necessidade na atual encarnação seja amparar um pequeno que não tenha nascido de suas entranhas e, assim, descobrir que a capacidade de amar pode ultrapassar os limites do sangue. A compreensão da reencarnação acaba com o preconceito de achar que só são nossos filhos os que nascem de nós. Quem é que sabe se uma dessas crianças não é alguém  muito querido do seu coração, que deve hcegar a você através da adoção? Os filhos que nascem de nós vêm espontaneamente, ao passo que adotar é um grande ato de amor. Pense nisso, Vânia. Pense, e deixe o amor que você tem no coração fluir em benefício de um desses pequeninos.” (página 288)

É interessante ressaltar a força de vontade das personagens femininas: primeiro, Anna, mãe de Nicolai; depois, Beatriz. São verdadeiras batalhadoras, sempre zelando pelo bem-estar da família. Embora às vezes fraquejem, tiram forças de onde não se supõe possível. E aqui vai outra lição tirada da leitura desta ótima obra: persistir sempre, lutar sempre; torna-se necessário manter bem sintonizada a casa mental, para que haja possibilidade de ajuda. Afinal, mesmo nossos mentores não fazem milagres ou nos violentam o livre-arbítrio.

GERMANO, Berenice. Quando é preciso partir. Vivaluz editora. Atibaia, SP: 2011.