O escritor espírita Rafael de Figueiredo nasceu em 1980, atua também como palestrante. Ele é técnico em eletrônica e possui bacharelado e licenciatura plena em Educação Física, pela Unisinos. Atua também na área comercial. É espírita desde os 20 anos de idade. Psicografa desde 2001, tendo publicado quatro livros, todos pela Editora Boa Nova: Nas Brumas da Mente, autor espiritual Francois Rabelais; Do Século das Luzes, com Frei Felipe; Infância e Mediunidade, com o espírito François Rabelais e, finalmente, O Testemunho dos Sábios, com autoria de Frei Felipe.
Rafael é um divulgador do Espiritismo pelo mundo. Fala fluentemente o idioma francês. Como sua esposa é de cidadania russa, está aprendendo o idioma russo. Já proferiu palestras sobre Espiritismo no Brasil e em Paris, França.
O pano de fundo da história é o século XVIII. A Igreja Católica é o centro do poder religioso, com seu Index Libris Prohibitorium (Relação dos Livros Proibidos) e os processos da Santa Inquisição. Estão presentes alto grau de misticismo, ignorância, falta de higiene em uma França dividida em três estamentos: primeiro estado, o clero; segundo estado, a nobreza e a família real; terceiro estado, camponeses e a burguesia. A essa estrutura social deu-se o nome em francês de Ancien Régime (Antigo Regime), mantido pelas mãos de ferro de reis absolutistas.
As tensões crescem e, pouco a pouco, vemos o Ancien Régime se desmoronar e as sementes do que viria a ser a Revolução Francesa se disseminarem. Nesse ambiente complexo, de lutas idealistas, anseios de igualdade entre os homens, maior liberdade e justiça (nesse esquema dos três estados só o povo pagava impostos) por um lado, e a corrupção e os desmandos da religião vigente, as orgias e a gastança dos nobres e a miséria do povo, por outro lado, irrompem ideias novas, como o magnetismo animal, como proposto pelo alemão Anton Mesmer.
Tudo começa quando Lola, uma adolescente de uns 16 anos de idade chega aos subúrbios portuários de uma importante cidade na França. Ela está completamente só e com fome e logo a prostituta Sophie se apieda dela. Torna-se sua protetora. Mas Sophie cai de cama, adoentada; não podendo exercer suas atividades, não ganha nada. Esta é a porta de entrada de Lola no meretrício. Para se manter e poder cuidar da amiga, ela se prostitui. A companheira se recupera e percebe que Lola está grávida e com a frágil saúde comprometida. Entretanto, contrariando todos os conselhos de que uma prostituta não pode engravidar, deve antes praticar o aborto, ela se decide por poupar a vida do nascituro. Intuindo não resistir ao parto, (ela contraiu tuberculose, doença muito comum na época, pelas péssimas condições de higiene), ela faz Sophie lhe prometer cuidar do pequeno Jean, que vai nascer.
Apesar de ter feito a promessa, mais para tranquilizar a amiga que morria, Sophie entrega o bebê à senhora Poupillers, que já cuidava dele, para encaminhá-lo à adoção. A ex-babá deixa o menino à beira de uma estrada, debaixo de uma árvore. Um frade em idade avançada, Frei João, descobre e recolhe a criança, levando-a para a instituição religiosa à qual servia. Frei Mariano, prior desta instituição, era bondoso e acolhe o pequeno sem titubear. Várias crianças órfãs já estudavam no local. Mas como cuidar de um bebê? Frei Mariano o leva para a família Dupré. Henry e Suzette Dupré recebem a criança de bom grado, pois Suzette havia tido um filho, de nome Michel. Adotam o pequeno Jean e o criam como se fosse filho biológico. Jean e Michel tornam-se amigos e irmãos, apesar de terem a constituição psicológica completamente diferente: Jean é introspectivo e melancólico, enquanto Michel é alegre e falante.
Suzette fica doente e morre; Henry tem de prover o sustento próprio e da família. Frei Mariano e Frei João lembram a Henry a promessa que haviam feito, qual seja, a de recolherem e cuidarem dos dois meninos, dando-lhes escola no monastério onde serviam. O arranjo vem a calhar, pois Henry precisa se separar dos meninos para arranjar trabalho. Parte, embora saudoso dos filhos. Não chega ao seu destino, pois assaltantes o matam pelas costas, no caminho para a casa de alguns parentes que moravam distante. Os meninos, então, passam a ser responsabilidade exclusiva dos freis.
Jean manifesta mediunidade muito cedo, descontrolada. É propenso a “crises”, como eram chamadas as manifestações mediúnicas à época. Frei João, já idoso, morre e Frei Mariano tem de fazer uma viagem. Ele deixa Frei Luís em seu lugar. Não sabendo como agir durante uma crise de Jean, ele manda encarcerar o menino até que cessam as manifestações. A partir do retorno do Frei Mariano, temos um ambiente harmonioso, em que ele, Jean e Frei Luís começam a realizar reuniões secretas de estudos. Estudam autores proibidos pela Igreja, por isso as reuniões são secretas. Leem Platão, Voltaire, Rousseau, clássicos gregos... Aos poucos, os três conseguem abrir suas mentes e as manifestações de Jean ficam disciplinadas e controladas.
Entretanto, o futuro do grupo impõe mudanças e eles têm de deixar o monastério e assumirem novas identidades; Jean Dupré passa a chamar-se Jean Baptiste d’Oberville, Michel agora é Louis Henry d’Oberville e Frei Luís adota o nome de Pierre d’Oberville. Dessa forma, o frei apresenta-se como pai dos dois meninos. Logo após, seguem para a casa de um tio de Pierre, Gastão d’Oberville.
A vida prossegue e a nova família passará por diversas atribulações, algumas delas motivadas por reajustes de outras reencarnações; não obstante, nunca lhes falta auxílio espiritual. O jovem Louis torna-se um militante e panfletista antimonárquico, advogando novas idéias ventiladas pelo Iluminismo, pelos valores de igualdade entre os homens.
Alguns trechos, aperitivos para o leitor:
“Sophie levantara-se confusa, não conseguia recordar o que em flashes lhe vinha à mente. Não conseguindo nada, mesmo com esforço, desistira. Permanecia, no entanto, a sensação de que algo fora esquecido. Despreocupando-se com o incidente, a imagem do menino recém-nascido lhe viera aos pensamentos. Somente agora recordara que Lola deixara-lhe um filho sob os cuidados. E intensa aflição lhe acrescera ao espírito.
Elucubrações se deserolavam em seus pensamentos. O que faria com o menino? Quantas vezes desistira do próprio filho em função das necessidades de sobrevivência própria? Que vida poderia legar àquela criança? Valeria a pena crescer naquele lugar? Suas inquirições estavam recheadas das deduções materialistas que não percebiam que o nascimento não se dava à revelia de uma vontade superior. Nem tampouco conhecia as consequências funestas que tais resoluções negativas poderiam significar em seu futuro.” (página 28)
Este é um romance muito bem escrito, do ponto de vista da trama e construção de personagens. O enredo prende a atenção, os personagens principais (Frei Mariano, Jean, Louis, Michel) se modificam durante seu desenrolar. Um painel amplo das tendências e idiossincrasias do século XVIII é traçado e as figuras de Sócrates, Platão, Voltaire e Rousseau são mostradas como precursoras do espiritismo do século XIX. Também Anton Mesmer e sua teoria sobre o magnetismo animal (mesmerismo) são mostrados como caminhos preparatórios para os acontecimentos que irão culminar na codificação do espiritismo de Allan Kardec. As cenas descritas têm vigor das coisas vividas; a pesquisa da época é muito bem feita, construindo um painel coerente e altamente didático. Doutrinariamente, é um livro correto, de acordo com os preceitos espíritas, enfatizando o tempo todo a prevalência do Espírito, do bem ao próximo e do “faça da tua parte e Eu te ajudarei”. Este livro foi lido em três dias, tal o meu envolvimento; prazer estético, doutrinário e reverberações de uma época que não é estranha às minhas próprias vivências.
FIGUEIREDO, Rafael de. Espírito Frei Felipe. Editora Boa Nova. Catanduva, SP: 2010