Ana Cristina Vargas iniciou seus estudos da doutrina espírita quando contava com apenas 17 anos. Sua curiosidade em entender como funcionavam os ditos fenônemos mediúnicos a levaram por esse caminho. Em 2000, começou o trabalho de psicografia de livros, inicialmente inspirada e instruída pelo espírito José Antônio e dessa parceria surgiram as obras Tihuantinsuyo – Os Quatro Cantos do Mundo, subdividos em O Herdeiro, A Virgem do Sol e O Fim E O Início; Ídolos de Barro, Dramas da Paixão, Escravo da Ilusão, O Bispo, Na Ponta dos Pés, O Quarto Crescente, Intensa Como O Mar, A Morte É Uma Farsa. Em colaboração com o mesmo José Antônio e o espírito Layla, produziu a trilogia Em Busca de Uma Nova Vida, Em Tempos de Liberdade e Encontrando A Paz. O último trabalho, esse Sinfonia da Alma, é inspirado somente pelo espírito Layla.
A médium é natural da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, sendo também fundadora da Sociedade de Estudos Espíritas Vida, na mesma cidade. Algumas dessas obras estão há um tempo fora de catálogo, mas ainda é possível achá-las em sites de venda de livros. O Bispo está em nova edição, à disposição dos leitores.
Sinfonia da Alma nos relata um pouco da vida da personagem Denise. Desde pequena, ela convive com um problema estranho: é sonâmbula e quando está nesse estado, assume uma personalidade diferente da atual Denise; entoa canções folclóricas em provençal e mantém contato com alguém chamado Anton, visivelmente muito caro a ela.
Denise também tem outra característica: ama apaixonadamente a música. Sua mãe, Marlene, não aprova a escolha da filha; música não dá futuro a ninguém, no seu modo de entender. Já o pai tem gênio apaziguador, apesar de também não entender a escolha da filha. A conselho dele, no intuito de melhorar as relações entre Denise e Marlene, ele sugere à menina fazer um curso a gosto da mãe e, ao mesmo tempo, cursar sua tão querida faculdade de música.
Os caminhos da vida levam Denise a Paris, pois ela obteve uma bolsa de estudos para se aprimorar em canto lírico na cidade-luz. Nova vida, longe dos problemas com a mãe, que simplesmente não conversa mais com ela, Denise faz novos amizades: Maurice, amigo de primeira hora; Charlotte, companheira de quarto; Max, inglês, residente em Paris e amigo de Charlotte.
Os acontecimentos conduzem Denise a entrar em contato com sua personalidade do passado e novos fatos vão se desencadear, conduzidos por amigos da espiritualidade que se interessam em seu crescimento como espírito encarnado.
Dois personagens magníficos, Berthe – de 63 anos e residente na cidade de Nancy, tia de Charlotte – e Bertoldo, colaborador de Berthe serão de fundamental importância nos eventos futuros. São espíritas, trabalhadores experientes, convocados pela espiritualidade para a tarefa de auxiliar Denise.
O livro é rico e explora o tema da educação mediúnica, além de outros subtemas, não menos importantes, como a liberdade de cada um, a resignação para vencer as provas necessárias ao nosso adiantamento espiritual, o mal que podemos fazer a nós mesmos quando somos excessivamente críticos dos outros e nos mantemos numa postura rígida demais diante dos pulsos renovadores da vida.
De todos os livros desses autores – Ana Cristina, José Antônio e Layla – li quase todos, apenas A Morte É Uma Farsa está à espera. Ídolos de Barro, por exemplo, já li quatro vezes, e pelo jeito, ainda vou lê-lo mais vezes; pelo menos, mais uma vez, pois desejo resenhá-lo para este blogue.
Portanto, com esse histórico, nem é preciso recomendar a leitura de tais obras. Sinfonia da Alma não foge à qualidade de texto tão característica desses autores e à fidelidade à doutrina kardequiana.
Eis alguns trechos para degustação:
“- É de algum espírito? No Brasil tem muitos.
- Não, querida, é de Balzac.
Denise fez uma expressão de espanto, conhecia o nome do escritor, mas nunca o havia associado a questões de espiritualidade. Aliás, precisava confessar que nunca lera qualquer dos clássicos da literatura francesa.
- Conheço o nome, não sabia que ele escrevia sobre esse assunto. Sei que ele é tido como um clássico da literatura francesa.
- Sim, ele, Victor Hugo e outros escritores da época clássica da literatura francesa eram espiritualistas. Foi um período de investigação e questionamentos, e era natural que esses pensadores tivessem se interessado pelo espiritismo. Mas, para ser justa, esse tema acaba permeando a obra dos pensadores desde a antiguidade até os tempos contemporâneos. Seráfita [de Balzac] será um boa leitura para começar.” (página 176)
“- Claro. O homem mais feio e o mais encantador da cidade. Quem não conhece Bertoldo? Ele é um encanto. Faz tempo que não o vejo. Como está? Muito desarrumado?
- Ah, Charlotte, não fale assim. Ele é tão meigo!
Charlotte riu. “Bertoldo é uma espécie de Shrek da vida real”, pensou.” (página 216)
“Berthe olhou a mão estendida e encarou a jovem. O medo estava ali, um grande monstro velho, pálido e pesado, fragilizando sua hospedeira. Uma cena sentimental, lágrimas e palavras comoventes seriam suficientes para alimentar esse monstro. Então Berthe cruzou os braços e respondeu séria:
- Vença-o. Domine-o. Cresça. Eu me disponho a orientá-la, mas não vou segurar a sua mão. Você não precisa de bengala e não quero dependente. Nós somos seres individuais, temos todo o necessário para viver sobre as próprias pernas. Se você beber da minha força, não descobrirá a sua. A cada dificuldade do caminho, correrá à minha procura. Chegará um dia em que estarei exausta, cheia de você até as orelhas, porque ninguém aguenta ser sugado, sem saber o que lhe tomam. Dependentes simplesmente tomam a vida do outro. E quando chegar o dia em que eu não mais quiser lhe dar a mão e deixar-me sugar, você continuará como uma criança dominada pelo medo. Ele, o medo, terá comido a sua vida e, por tabela, a minha. Você não cresceu, porque se acomodou à dependência e não desenvolveu suas forças. O medo paralisa e a preguiça entretém a estagnação. E o tempo escoará pelos dedos e ficaremos as duas de mãos vazias. Então, Denise, vamos deixar claro desde já: eu a oriento, você estuda e trabalha pelo seu progresso. A luta é sua, encare-a. Não me estenda a mão, trabalhe por si mesma em vez de mendigar as forças alheias. A espiritualidade não é piegas, querida.” (página 204)
Talvez, leitor, esse último trecho transcrito da página 204 lhe pareça excessivamente duro, impiedoso, sem caridade. Entretanto, muitas vezes isso acontece na relação entre terapeuta experiente e paciente, quando este último se recusa a reagir. É a terapia do choque emocional. Realmente, não há lugar para acomodações em nossa evolução, pois tudo é provisório, impermanente. Evolução é sinônimo de movimento. Muito do nosso sofrimento acontece exatamente por admitirmos em nosso íntimo esse monstro, o medo.
Se puder, não perca a leitura muitíssimo proveitosa dessa obra, caro leitor.
VARGAS, Ana Cristina. Espírito Layla. Sinfonia da Alma. 1ª Edição. Editora Vida e Consciência. São Paulo, SP: 2014